Na Bíblia encontramos um versículo interessante, em que Deus lança nossos pecados no mar: De novo terás compaixão de nós; pisarás as nossas maldades e atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar. (Miquéias 7.19). Este Mar Profundo é muitas vezes denominado de Mar do Esquecimento – e mesmo sendo só uma figura de linguagem, este mar representa o “local” onde Deus lança nossas culpas e pecados, pois deles não se lembra mais, tornando-nos, a cada vez que pedimos perdão a Ele, novas criaturas, limpas da nódoa do pecado e brancos como a neve.
Bom seria se tivéssemos também um mar do esquecimento. Jogaríamos nele as nossas mágoas, os fatos que nos fazem sofrer, as palavras que nos machucaram, nossos desapontamentos, fracassos e tragédias – e para ficar melhor ainda, colocaríamos uma placa ao redor com os letreiros “É proibido pescar”. Não seria, simplesmente, maravilhoso?
Infelizmente isto não é possível. Nós, humanos, temos uma memória que não se apaga. Alguns podem até passar por traumas ou dores tão profundas, que submergem em uma amnésia temporária ou permanente os fatos ou o período que os fizeram sofrer. É comum que pessoas que sofreram acidentes automobilísticos graves esqueçam os momentos que antecedem o fato, ou que uma mulher que foi estuprada saiba que o fato aconteceu mas não se lembre dos detalhes, esquecendo os momentos de agonia pelos quais passou. Contudo, eles estão lá, guardados numa gaveta que não se abre. Afinal, a única forma de apagar definitivamente a memória é remover do cérebro as áreas onde ela se concentra, por uma lobotomia ou por perda de massa cinzenta (o que pode ocorrer em casos de traumatismos cranianos onde parte do cérebro se perde). E isto certamente não é o que desejamos.
Resta-nos então conviver com as nossas memórias. E poder guardá-las é, ao mesmo tempo, uma dádiva e um castigo. É uma dádiva pois podemos armazenar as nossas boas lembranças, a imagem das pessoas que amamos e dos lugares que visitamos, e o conteúdo das aprendizagens que fizemos ao longo da vida que nos tornam mais maduros, experientes e precisos para as nossas decisões futuras. E é um castigo pois lembramos das nossas gafes, dos nossos erros (até para podermos aprender com eles), dos nossos pecados (pois precisamos lembrar do que fizemos para buscarmos o perdão divino) e de todos os episódios e pessoas que nos magoaram.
De tudo o que foi dito, o resumo é: Não podemos esquecer! E achar que quem perdoa esquece é um dos maiores erros que podemos cometer. Muitos há que já perdoaram as pessoas que lhes feriram, mas quando se lembram dos fatos, depois de meses ou até de anos, voltam a se indagar se realmente perdoaram no passado. Há pessoas que se culpam quando um filme, uma leitura, uma conversa ou até uma pregação os faz recordar uma traição ou um gesto do cônjuge no passado. Se comentar com alguém ou com o próprio cônjuge ainda ouve a frase “você não perdoou!”.
Perdoar não é esquecer. Perdoar é lembrar a afronta sem que esta provoque ódio, revolta ou desejo de vingança. É aprender a conviver com a dor da traição sem o desejo de punir o outro pelo que ele fez. É recordar sem rancor, a ponto de conseguir amar e caminhar a segunda milha, muitas vezes ao lado de quem lhe feriu.
No casamento, é renovar os votos de confiança e de afeto trocados no casamento, dizendo para o outro: “você errou mas eu estou disposto(a) a apostar em você novamente”. Não é esta a atitude de Deus para nós?
Elaine Cruz
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